Dualístico Opositor de Si Mesmo
Aqueles primeiros dias da pandemia foram os mais estranhos de toda a sua trajetória nos anos em que já vivera, dias sombrios e cinzentos, parados em uma calmaria de silêncio profundo e agonizante. Momentos em que a emoção e o sentimento esfriaram…, não sentia nada… absolutamente nada! E, nem se sentia. Dias em que não havia respostas, pois não havia motivos para perguntas.
Acordara como de costume, não como antes sentindo uma energia de alegria desinteressada, em que de um salto energético quântico pulava da cama, lavava o rosto e sorria para vida, em uma manhã carinhosa e meiga. Porquanto, aqueles silenciosos dias se tornaram mornos, ao se levantar mais cansado de quando fora dormir. Sua vida agora era um quadro em branco, uma página em branco, em tela toda branca, e, olhando a branquidade do vazio no quadro de tarefas a sua frente, não sabia por onde começar.
Já passara por tormentas de magnitude perigosas, desastrosas, perturbadoras, doloridas, sofridas e sentimentais catastróficas, não obstante, o silêncio do vazio daqueles mornos pandêmicos dias era deprimente, e o apunhalava, esfaqueando sua alma e mutilando o seu coração. Naquele instante em que observava o nada, se vira com todas as ferramentas tecnológicas em mãos, entretanto, nesse tudo virtual não tinha nada de valor, e nada nele mesmo, e em seus perfis midiáticos nas redes sociais, tinha de inspiração divina.
Não era só a falta da alegria de viver… era a ausência, também, da dor. Algo estava sufocado, obstruído e entupido, e suas lágrimas estavam prensadas nas represas dos seus olhos parados. Agonia, angústia e coração apertado, só isso! Em outro instante, virou o rosto e olhara para o seu santuário… seu oratório de pedras semipreciosas, fósseis marinhos do deserto, conchas, pérolas e corais, além de incenso e incensário, lamparina de barro a azeite de oliva, e castiçais de velas. E, se sentira abandonado, também, pelo Sagrado. Pois, o seu próprio santuário o repelia, como a tentativa de unir dois polos iguais de um ímã. Sua oração ofuscara-se em remorsos!
As grandes oportunidades já não mais batiam com frequência a sua porta, e quando batia… estava ele ‘offline’, ou distraído na sua triste angústia. Porém, já não podia ele recordar que, paralelamente a toda essa simbologia de caráter místico e um pouco mecanicista, uma energia viva e oculta de profunda sabedoria não humana, fluía sempre do lado inverso da melancolia para vida cotidiana, suplicando apenas uma breve pausa, que possibilita a maturação da sabedoria humana.
Frequentemente inspirava um monte de ar seco com rapidez oxigenando os seus pulmões, e, com a mesma velocidade, expirava um sopro de gás, que por um momento de segundo o aliviava das dores do seu pesado coração. Algo de sagrado muito lhe faltava… e nessa falta e silêncio, muitas vezes propositalmente, ou por tentação nas suas fraquezas, sempre tropeçava erroneamente na mesma pedra. E, indubitavelmente, comia o seu próprio vômito.
Na composição daquele tortuoso momento, almejava sempre o Sagrado Superior, a chama que arde tendendo para o mais Alto dos altos. Porquanto, habitava ele em um lago em que escorregara em um braço de rio que fluía para baixo, e percebera que aqueles dias ofuscados eram por demais antagônicos. Por isso, suas vontades se divergiam, buscando objetivos em direções opostas. Nessa grande oposição do mais íntimo do ínfimo do seu ser, jamais podia levar a cabo o seu grande projeto de vida, seu ponto de vista divergia rapidamente e constantemente, e as ideias que antes iluminavam se tornaram um turbilhão de dúvidas e incertezas em sua cabeça. Por uma leve prudência escrupulosa do seu ser, em tais circunstâncias, evitava proceder de maneira brusca em suas escolhas e ações. Agia sempre e gradualmente com uma influência correta nas mínimas coisas. Porém, seu maior sucesso era que toda essa oposição dos dias em que se seguia, não excluía completamente o seu bom senso, e entendimento do correto a se fazer a cada hora e instante. Essa grande angústia oponente de si mesmo, aparecia no seu caminho como um obstáculo a ser ultrapassado, apresentando contrarias polaridades no íntimo do todo em tudo que muito a envolvia, mas, possibilitando uma certa ordem pela diferenciação do mundo em que a dualidade movimenta os polos e extremos do seu ser.
Ele não entendia aquele precioso momento em que abandonara o seu apertado casulo, saiu da sua hibernação cavernosa numa bela manhã refrescante, já não era mais um ser rastejante masculino e medonho, (e ainda não sabia disso), apenas ao abandonar sua cápsula de transmutação, ficara parado na folha verde, em sua oposição de transformação metamórfica. Não percebera que agora tinha asas, se transformando em um ser feminino alado, e que todo aquele momento de angústia e oposição era apenas para que suas asas amassadas pela estadia do casulo pudessem se desdobrar.
E, assim, se seguiram aqueles dias… e quando se viu com as mais belas asas, o externo masculino se tornou suficientemente obediente, dando o pleno poder a sua Grande e Poderosa Presença Interna feminina, dissipando o céu e o mar da oposição ilusória do seu próprio mundo e do seu próprio ser andrógino…, no voar superior ao jardim em que se encontrava solitário e individualizado dualístico opositor de si mesmo.