SANIDADE DE UM MENDIGO

Jp Santsil
3 min readDec 14, 2019

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Quando me olham dizem:

_Ele é louco!
Louco por viver em trapos
Louco por não ter abrigo
Louco por não usar sapatos

_Ele é a escória!
A escória da humanidade
E se agora é um mendigo
É porque não teve força de vontade
É uma vergonha para sociedade

Me olham, me tratam e me chamam constantemente de louco
Louco por que não tive vontade
Vontade de participar dessa coisa, desse meio, desse sistema, dessa sociedade
Disso que chamam de sanidade
Louco por simplesmente querer viver em liberdade

Dizem que a liberdade custa caro
E bem sei o preço que pago


O preço de ser rejeitado, da discriminação e de não ser bem quisto e amado

Mas, como viver sem liberdade, sem vontade
Vivendo nessa coisa que chamam de sociedade?

Só sendo louco, realmente muito louco…

Podem me chamar de louco, maluco e o que quiser
Eu sou louco, louco, louco por querer ser livre
Livre dessa tal sanidade
Dessa atual sociedade
Ou será que é loucura querer viver em liberdade?

Loucura! Vou dizer o que é loucura:
Loucura é pertencer a um mundo fragmentado onde uma nação domina a outra
Loucura é pertencer a uma sociedade
Aceitando a dominação de uma classe sobre outra classe
Loucura é ter respeito, honra e caráter
Só por causa dos cargos e rótulos que foram amontoados
E de possuir um senso crítico de que é preciso ter para ser amado

Loucura! Loucura!

Loucura é ir todos os dias chamados úteis para o escritório das 08:00hs às 18:00hs. E se matar em um trabalho que em vez de servir ao progresso de todos, serve apenas para o enriquecimento de alguns. Um trabalho tão miserável que o indivíduo não pode nem se quer desfrutar dos benefícios de sua produção, de sua atividade profissional. Não excluindo os excluídos, que constrói coisas maravilhosas para os ricos enquanto vive na mais absoluta condição de miserável.
Constrói palácios e mora em barracos.
Monta carros e anda a pé, ou espremidos em transportes coletivos. Isso que é loucura!

Sem contar a piada mensal que recebe, que cruelmente é fatiada nos meios de subsistências e de impostos. Contas de água, luz, telefone, imposto disso… imposto daquilo, alimentação, filhos na escola… e se economizar um pouco, sobra para o lazer e o conforto (se é que conformismo é conforto!?!).

Loucura!

Loucura é ter a vida de uma dona de casa
Aquela vida agitada
Que cozinha, lava, limpa e passa todos os dias sem parar
Aquela mulher trabalhadeira, sempre guerreira
Que leva a vida derrubando barreiras
Mulher de grande coragem!
Dar a vida pela sua família e educa os filhos com toda sua simplicidade
Grande Matriarca! Cheia de afazeres, escrava do lar
Talvez seja a mais louca
Porque ainda tem que ficar bela para quando o marido chegar

Loucura! Loucura! Loucura!

Loucura é passar praticamente boa parte de sua pequena existência nos estudos. Quatro anos no primário (sem levar em conta os processos de alfabetização), cinco anos no ginásio, três no ensino médio, provavelmente cinco anos de ensino superior (sem citar as diversas dificuldades de enfrentar uma prova de Enem ou vestibular, para garantir uma das vagas numa universidade federal ou pública) e ainda toda essa parafernália de pós-graduação, magistrado, doutorado, mestrado e bacharelado (e sei lá o quê… de tanto ado?). Depois de tudo isso, conseguir um emprego a altura e fazer cursos e mais cursos de especializações, para se manter atualizado no mercado, e poder segurar o trabalho por mais tempo.
Tempo suficiente para achar que vive decentemente.

Coisa de louco! Loucura!

Loucura é você ter como lazer
Uma caixa de imagens que só faz te entreter
É colocar grades em todas as entradas de sua casa ou condomínio, e se trancafiar
Com medo da violência reinante do lugar

Loucura! Loucura!
Vou dizer o que é loucura!

Loucura é ter essas coisas por sanidade
É abdicar-se da liberdade
É condicionar a vontade ao caos da humanidade

Me chamam de louco…
Mas, quem é “o louco” eu ou você?

Prisão ou liberdade?
Loucura ou sanidade?

Você tem que escolher!

_Você pode escolher?

Você tem que escolher!
Ou louco eu, ou insano você

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Jp Santsil
Jp Santsil

Written by Jp Santsil

Onde me manifesto… sou como o entardecer, onde o vento passa ao silêncio da morte e as árvores vibram ao ver passar. Se não me manifesto… no nada tudo serei.

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